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13.8.05

"Desde que eu cheguei aqui, não vi um policial nessa praça. Tá faltando polícia nessa cidade. No meu governo vai ter mais polícia na rua". Que foi um político o autor dessa frase, é desnecessário dizer. O problema é que ela não saiu da boca de nenhum representante da direita reacionária, como Maluf, nem de uma figura conservadora do tucanato/pefelê como Alckmin ou o seu secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, de conhecida simpatia pelo autoritarismo mussolínico.
Disse tal frase Luiz Inácio Lula da Silva, então candidato a presidente da República, durante um comício na cidade de Suzano, na Grande São Paulo, pela campanha para as eleições de 2002, que ele, como se sabe, acabou vencendo. Com um mínimo de sensibilidade e conhecimento político, percebe-se a dificuldade, até então, de encaixar uma frase tão banal e politicamente estúpida na biografia da figura. E não seria difícil concluir, já naquela época, que alguma coisa estava errada.
Testemunha ocular do fato, reconheço que só hoje, quase três anos depois, me ocorre tal constatação. Por falta de sensibilidade, por preguiça, por boa vontade, por ingenuidade. O comício aconteceu em um sábado quente e ensolarado, mas não me recordo o mês, tão pouco o dia. Lembro-me que no dia anterior, na redação do Diário de Mogi, recebi da editora a notícia de que, na tarde seguinte, cobriria a visita do candidato petista à região. Não era meu plantão, e minha editora me deu a notícia com um sorriso no rosto, como que sabendo que estava me fazendo um agrado. E eu recebi a incumbência como um presente.
Na tarde seguinte, lá estava eu na principal praça no centro de Suzano. Lula chegou atrasado e atravessou a praça, em direção ao palanque, cercado de eleitores, fãs, políticos oportunistas e jornalistas. Um pouco antes, eu havia conseguido subir no palanque sob o disfarce de assessor de imprensa de um vereador de Mogi, que deu suporte à carteirada. Lula passou por mim com cara séria. Atrás dele se seguiram, não necessariamente na mesma ordem, Marta Suplicy, então prefeita de São Paulo, José Genoíno, então candidato a governador pelo PT, e a futura primeira dama Marisa Letícia, que dirigiu, a mim e aos demais sobre o palanque, um simpático sorriso. Não tenho certeza sobre outros nomes.
Logo que a muvuca diminuiu, dei dois passos a frente e coloquei a mão sobre o ombro esquerdo de Lula. Ele olhou para mim ainda sério. Gritei em seu ouvido meu nome e do jornal que representava. Ele continuou olhando para a minha cara, ainda sério. Eu lhe estendi a mão. Ele a apertou com a mesma expressão fechada. Lhe fiz três perguntas ao pé do ouvido, tão desimportantes hoje que nem vale a pena cita-las. Ele me respondeu às três de forma direta e, rapidamente, virou-se e seguiu à frente do palanque, enquanto eu era afastado pelo assessor de imprensa da campanha.
O assessor me levou para a ponta do palanque e pediu para que eu transmitisse aos demais jornalistas, amontoados na praça, as declarações feitas a mim por Lula. Mais eufórico por ter apertado a mão de um ídolo do que por ter sido o único repórter a conseguir subir no palanque e entrevistar Lula, soltei uma gargalhada marota e revelei a ele minha verdadeira identidade. O assessor ficou puto. E, para se vingar, mandou subir os jornalistas que representavam os dois outros jornais diários da região - e que estavam mais desesperados pelo furo iminente -, e permitiu que fizessem três perguntas cada um ao candidato. E me expulsou do palanque.
Depois de um discurso típico do populismo eleitoreiro, com frases e promessas tão desgastadas, genéricas e não-cumpridas com a que abre o texto, Lula finalizou o comício, desceu do palanque e, com a esposa, adentrou um Omega australiano vinho cercado por jornalistas e eleitores, e se foi.
As semanas seguintes foram de dias inesquecíveis. Contrariando meu pai, amarrei uma faixa de uns dois metros de comprimento na janela do meu quarto, de frente para a rua, onde se lia o slogan mais repetido nas ruas brasileiras nos últimos meses: "Agora é Lula". Por toda a casa, objetos receberam os devidos adesivos da campanha petista. Meu telefone no jornal e até a lateral do bebedouro, entre os banheiros masculino e feminino, o ponto mais freqüentado da redação, também foram decorados com o material da campanha.
Talvez só você, Evaldão, é capaz de entender ainda hoje a alegria que nos acometeu naquele dia no jornal, após a confirmação do resultado do segundo turno das eleições. A gente não conseguia desgrudar da tv a cada flesh com as repercussões da vitória do Lula. E a nossa pueril, quase romântica esperança de que enfim os rumos seriam outros, foi capaz de enclausurar no ponto mais profundo do nosso inconsciente a contundente obviedade de que ninguém que fizesse um acordo político com um ser tão promíscuo como o Boy, teria em mente boas intenções para com Brasil.
Hoje, diante de toda a perplexidade provocada pela revelação de tanta sujeira, eu confesso que não sei mais o que pensar. Não sei também o que dizer para gente como o meu pai, que tantas vezes me aconselhou a repensar o voto e, principalmente, o comportamento de cabo eleitoral, dizendo que conhecia essa "cambada do PT", que "nenhum deles presta, político é tudo igual", totalmente convicto, diante de toda a sua experiência de vida, de que a vitória do Lula seria um desastre para o país.
O que vou dizer para a Juliana, amiga da minha mulher, que durante a campanha de 2002 ousou me enviar um daqueles e-mails elogiosos ao Serra e críticos ao Lula, que foram tão comuns na época, e recebeu de mim uma resposta tão dura , embaraçosa e pouco delicada? O que eu vou dizer para o bando de parentes que se decidiu por votar no PT ou mesmo mudou de voto, entre outros fatores, pela minha petulante e voluntária insistência?
Me recordo do dia da posse do Lula, no dia 1º de janeiro de 2003, que eu acompanhei integralmente pela tv. Em discurso, após receber a faixa presidencial de um atabalhoado FHC, Lula garantiu que não decepcionaria os brasileiros. Ele foi além. Acabou com toda a esperança que eu tinha de que meu filho cresceria num país melhor, mais justo, menos desigual. E quando eu olho para o passado, custo a acreditar que agora sou capaz de dizer FORA LULA!

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