<$BlogRSDUrl$>

26.7.05

Houve um tempo em que visitar Campos do Jordão (167 km de São Paulo) tinha um significado bem diferente da busca pelo lazer e a diversão que hoje move uma legião de turistas, principalmente durante o mês de julho.
Entre as décadas de 1920 e 1960, dezenas de milhares de pessoas passaram por Campos em busca da cura para a tuberculose - doença infecciosa que ataca principalmente os pulmões. Grande parte delas não saiu viva de lá.
Para atender a demanda, foram construídos naquele período uma série de sanatórios, hospitais especializados que transformaram a cidade em referência no tratamento da tuberculose. Campos chegou a ter 15 desses sanatórios, com mais de mil leitos, todos ligados a irmandades religiosas ou entidades de classe.
Entretanto, no final da década de 1970, após o surgimento de drogas que aumentaram as chances de cura e diminuíram o tempo de tratamento, o governo federal mudou sua política para a tuberculose. A internação dos doentes não era mais necessária.
A decisão provocou o fechamento dos sanatórios de Campos do Jordão. Mas a partir do início da década de 1980 os prédios passaram a ganhar outra destinação. Atualmente, a estrutura de antigos sanatórios abriga desde hospitais e asilos, até hotel, colônia de férias e uma escola.
É o caso do sanatório S-1, que no passado alojou crianças tuberculosas, e onde hoje funciona a escola particular Dora Lygia, com 200 alunos. A proprietária, Vanda Kara José Pinheiro, diz que adquiriu a área de 10 mil m2 - 1.000 m2 de construção -, na primeira metade da década de 1980.
"Onde era a capela e o berçário do sanatório, por exemplo, hoje são salas de aula. A antiga ala de isolamento hoje é a sala dos professores", conta Pinheiro. Segundo ela, além da arquitetura original, nada mais lembra que ali funcionou um hospital. "As únicas coisas que restavam do S-1 eram duas placas inaugurais instaladas nas paredes, mas foram retiradas há alguns anos".
Inaugurado em 1934, o Sanatório São Cristóvão foi um dos maiores de Campos do Jordão até ser desativado, no início da década de 1980, por falta de pacientes. O sanatório foi construído pela então Sociedade Beneficente dos Chauffeurs (lê-se "chofers") de São Paulo para atender aos companheiros de categoria atingidos pela doença. São Cristóvão, como se sabe, é o padroeiro dos motoristas.
Com a derrocada do tratamento para tuberculosos, a associação decidiu construir no local um novo prédio, que abrigaria um hotel de 140 quartos. Atenderia aos associados da agora Sociedade São Cristóvão, administradora de um plano de saúde e de um grande hospital na capital paulista.
O hotel São Cristóvão começou a funcionar em 1985. Ao lado continua a estrutura do sanatório, com seus 12 mil m2 de área construída, e que serve apenas de depósito de materiais velhos do hotel.
Hoje administrador do hotel, Mário Sérgio Moretti é o último remanescente dos funcionários do sanatório. Ele conta que para não assustar os hóspedes que costumam caminhar pelos jardins ao redor do local, foi retirada a inscrição "sanatório" em concreto sobre a entrada do antigo hospital, permanecendo apenas o "S. Cristóvão".
"Ainda tem muito preconceito com isso, né?", diz. "Chegamos a ter aqui 160 leitos para tratamento dos tuberculosos, e mais de 70 funcionários. Quando o governo mudou o tratamento da doença o número de pacientes diminuiu muito. O sanatório só dava prejuízo e foi preciso fechar", relata.
O advogado e historiador Pedro Paulo Filho, 67, sete livros sobre Campos publicados, conta que o potencial turístico da cidade foi descoberto tardiamente devido à tuberculose, que gerou um grande preconceito contra Campos na época.
Segundo ele, o preconceito contra a cidade na primeira metade do século passado era tanto que muitos moradores de Campos levavam suas mulheres para dar à luz nas cidades vizinhas.
"Os moradores ou comerciantes daqui, quando viajam para outras cidades, escondiam das pessoas serem originárias de Campos do Jordão. Era algo depreciativo", conta.
O historiador defende que a cidade seja recompensada pelos governos federal e estadual pelas décadas dedicadas à cura da tuberculose que, segundo ele, adiaram o desenvolvimento de Campos. E sobre o turismo milionários de hoje – que apenas durante o mês de julho giram mais de R$ 50 milhões e reserva detalhes pitorescos com o shopping center de R$ 15 milhões que funciona apenas 30 dias no ano -, diz triunfante:
"As belezas de Campos venceram os bacilos de Kock. Passamos de estação de cura para a maior estação turística do Brasil".

Nota do autor - a princípio, esta reportagem - a maior parte dela, na verdade, porque aproveitei a ausência de limite de espaço para acrescentar detalhes que lhe foram subtraídos na origem - estamparia uma das páginas de um grande jornal do país. Mas a história foi considerada fraca, por não ter relação com o turismo - que, convenhamos, é o que importa naquela cidade -, e com um astral "pouco positivo" para os olhos dos ricos leitores, que ultimamente têm a índole fatigada e machucada pela leitura diária de tanto escândalo, corrupção, etc. Pena.

6.7.05

Aquele dia qualquer do inverno de 2005 parecia ser apenas mais um na vida de Dagoberto. Estava prestes a completar 30 anos e nos últimos seis trabalhava como balconista e chapeiro em uma lanchonete que funciona em um trailler, em frente ao edifício Vip Center, o maior de São José dos Campos, com 18 andares e mais de 250 salas comerciais. Ao longo do dia Dagoberto fritava pastel e assava salgadinhos que seriam saboreados principalmente pelo pessoal que trabalha no prédio. Dentistas, médicos, psicólogos, advogados. Alguns desciam até o trailler para fazer o pedido, ou comer ali mesmo. Outros nem se davam àquele trabalho. E para evitar perder 10 minutos descendo e depois subindo de elevador panorâmico, faziam o pedido por telefone. E algum funcionário do trailler tinha que ir até a sala do cliente entregar. Passava um pouco das 8h30 daquela manhã qualquer. Dagoberto enchia bisnagas de mostarda e pensava como a vida é uma merda, quando ouviu um barulho estranho vindo da direção do prédio. Pôs a cabeça para fora do treiller e tentou descobrir de onde vinha aquele ruído. A impressão que tinha é que haviam jogado um armário pela janela de um dos andares do Vip Center, que havia se espatifado sobre a laje do hall de entrada do prédio. Alguém apareceu pedindo uma coxinha, e ele acabou se esquecendo do ocorrido.
Preto, 55 anos. José Carlos já nem se lembra mais há quanto tempo perdeu o emprego de metalúrgico na fábrica da GM de São José dos Campos. Há anos sustentava uma vida de merda vendendo bilhetes de loteria e raspadinha próximo ao edifício Vip Center, no centro da cidade. José Carlos observava aquela gente que entrava e saía do alto prédio, subindo e descendo pelos elevadores panorâmicos, e indagava a si mesmo como aquela gente rica podia ser tão filha da puta. "Nem para comprar um bilhetinho meu de vez em quando. Vão todos tomar no cu". José Carlos decidiu parar de insistir. Não ofereceria mais seus bilhetes para aquela gente que fingia que ele não existia, que desviava dele na calçada como se ele fosse uma das lixeiras instaladas pela prefeitura. Naquela manhã Zé Carlos estava puto da vida. Na noite anterior, quando chegou em seu barraco – um cômodo feito com compensado, 1,5 m x 2,0 m – haviam furtado tudo o que ele tinha juntado na vida: Uma cama e um colchão velho com mais de 10 anos de uso, doado por uma igreja; um fogão de duas bocas que não funcionava há muito tempo; e o radinho de pilha que costuma acompanhá-lo durante as madrugadas de insônia e alucinações provocadas pela cachaça. Parou em frente a uma loja onde na vitrine havia algumas televisões ligadas no telejornal. O repórter falava sobre um tão de "mensalão" que andavam pagando a deputados lá em Brasília. Zé havia ouvido sobre esse tal mensalão no seu saudoso e velho radinho de pilha. Essa história havia deixado o ex-metalúrgico muito triste. Não conseguia acreditar que seu ex-companheiro de profissão, Lula, o presidente-operário, havia permitido o funcionamento de um esquema de corrupção tão revoltante. Mas o que fez perder a cabeça o vendedor de bilhetes foi a reportagem seguinte. Era sobre uma festa julina organizada por Lula na Granja do Torto, a residência oficial. Zé Carlos ficou fora de si. "Puta queu pariu. Esse país indo pro saco e o Lula me faz uma festa julina? ". A ira extrema, associada à fome, gerou no cérebro de Zé Carlos uma vertigem sem precedentes. De repente, não conseguia mais controlar a saliva, que escorria pelo seu queixo. E o céu foi invadido por milhares de passarinhos cor-de-rosa. Um homem barbudo caminhão em sua direção, pegou em sua mão e lhe disse: "Venha comigo que lhe ensino como voar com os passarinhos". Ele sorriu e acompanhou o estranho, que seguiu para o interior do edifício Vip Center, o maior de São José dos Campos. Subiu por um dos belos elevadores panorâmicos até o 18º andar do prédio. Saiu do elevador, passou por uma das janelas logo ao lado e, com um sorriso no rosto, saltou em direção aos passarinhos cor-de-rosa. Dois segundo depois, seu corpo se espatifou, como um armário, contra a laje do hall do prédio.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?