<$BlogRSDUrl$>

17.3.05

Meu professor de inglês é um senhor de 78 anos. Viveu 10 anos nos Estados Unidos, onde se formou em literatura e língua inglesa pela Michigan University. Era apaixonado por fotografia - ainda tem a valiosa Layca modelo 1960, mas a máquina fotográfica agora fica só ocupando espaço no armário. Me contou que quando estava nos EUA costumava fotografar muito. Um dia, um senhor desconhecido viu alguns de seus slides e, impressionado, o convidou para ser fotógrafo, vejam vocês, da National Geographics, uma das principais revistas do mundo. Ele não aceitou. Preferiu continuar o curso. Queria ser professor.
Os anos se passaram e o diploma, como esperado, saiu. O que ele não esperava era pelo convite feito pelo reitor da Michigan, que ofereceu a ele uma das cadeiras da equipe docente de uma das universidades americanas mais importantes. Dessa vez foi a saudade do Brasil que venceu. Ele disse não ao reitor e retornou para casa.
Nos 40 anos seguintes, este senhor se dedicou ao ensino da língua inglesa. O ganha-pão garantiu a casa própria em um bom bairro de Mogi das Cruzes. Um carro médio na garagem e uma qualidade de vida de um classe média brasileiro. Nada de muito luxo.
Não garantiu, entretanto, um fim de vida tranqüilo e leniente, ao contrário do que certamente aconteceria se não tivesse deixado escapar qualquer uma das duas oportunidades que tropeçaram em seu caminho. Apesar da diabetes e das dificuldades inerentes a uma pessoa de 78 anos, ainda é obrigado a trabalhar para sustentar a casa. O número de alunos se reduziu drasticamente nos últimos anos. Muitos deles, aliás, hoje são seus concorrentes. O salário atual dele está abaixo do meu, um rapaz de 25 anos com uma experiência infinitamente menor, apenas no início de uma carreira totalmente incerta.
Na semana passada me confidenciou que as dificuldades aumentariam. O problema foi causado por um fio desencapado em algum lugar da casa dele. Houve uma fuga de corrente, a conta de energia elétrica de janeiro foi a R$ 3 mil (bem superior ao que ele ganha no mês).
A concessionária poderia ter avisado que algo estava errado, já que sua conta havia saltado de R$ 200 para mais de R$ 3 mil (mais de 1000%). Não o fez. O professor só foi perceber no mês seguinte, porque deixa a conta de energia elétrica em débito automático, e a conta bancária foi ao vermelho.
Me disse que procurou o Procon, que disse nada poder fazer. Foi, então, à concessionária que, muito solidária e compassiva, lhe ofereceu a possibilidade de quitar a dívida, superior a R$ 5 mil, em duas singelas parcelas.
Como é de se esperar de um senhor de idade que, alguns anos antes foi capaz de deixar um bilhete com seu nome e telefone grudado em um carro que ele havia amassado em uma batida dentro de um estacionamento de banco e que nem o dono ou qualquer outra pessoa havia presenciado, meu professor aceitou carregar a cruz. Fazer o quê?
Uma injustiça como essa, que atinge alguém que sempre foi compromissado com a ética e com seus deveres como cidadão (um trouxa inocente e pueril, alguém poderia sugerir), é algo que deveria indignar todo mundo. Mas, vejamos: Daniela Cicarelli e Ronaldo se casando; houve até barraco! Futebol, Futebol, Futebol!! E o Ratinho está de programa novo no SBT!!! O Copom subiu mais uma vez a taxa selic!!!! Pois é, há muita coisa mais importante pra nos preocupar.
E por falar em taxa selic, chegamos à política. Você acredita que apesar de tudo o que viveu e viu meu professor ainda tem fé que vai surgir alguém capaz de dar um jeito nessa merda de país?
Eu, confesso, perdi as esperanças. Pra mim, quem está certo mesmo é o finado Bezerra da Silva que um dia profetizou: "Para tirar meu país dessa baderna, só quando morcego doar sangue e saci cruzar a perna". Sábio.
Um amigo meu escreveu certa vez que se borra de medo de brigar no trânsito. Segundo ele, o povo brasileiro atura todo o tipo de exploração e de rasteira, mas basta uma fechada no trânsito pra nego sacar a arma e encher outro de pipoco.
Político aqui nesse país faz o que quiser. Severino Cavalcanti e seu bando poderiam muito bem aprovar o aumento salarial oficial de nossos parlamentares, para merecidos R$ 21 mil. A mídia tocaria no assunto três dias, no máximo. Durante uma semana, o fórum dos leitores dos jornais receberia e-mails indignados de brasileiros inconformados com a baixeza da classe política. Mas só. Ninguém moveria uma palha sequer para mudar o que foi feito. Nosso país não tem esse costume.
Tanto que o último bastião político da esperança brasileira, Lula, personifica hoje a decepção histórica do país. A minha em especial. Uma decepção que chega a doer.
Mas agora eu vou parar de escrever porque vai começar o Big Brother Brasil - 5. Hoje tem paredão e não posso perder.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?