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19.3.04

É por isso que eu bebo... 

Apesar da inclinação para a área política, a crônica policial sempre me chamou a atenção no jornalismo. E esse sentimento se acentuou bastante nos últimos quatro meses, depois que comecei a trabalhar no "jornal vermelho", como diria uma colega, e passei a tratar diariamente de assuntos relacionados ao crime. Nascido em uma cidade do interior de SP que só há poucos anos conseguiu ultrapassar a barreira dos 60 mil habitantes, e morando há 10 anos em Mogi – lugar que considero relativamente "pacato", embora tenha sido palco de crimes de repercussão nacional –, nem preciso dizer o quanto fiquei (e continuo) impressionado com alguns casos que acontecem aqui na Capital.
Outra coisa que me surpreende muito é perceber como a banalização da violência pauta um jornal de metrópole. Uma chacina em uma favela da zona sul pode facilmente se transformar em nota de pé-de-página. Basta que no mesmo dia um playboy em um carro importado seja alvo de seqüestro relâmpago. No ano passado, São Paulo city registrou uma média de 11,7 homicídios dolosos POR DIA!! Por isso, se um cara foi encontrado morto a tiros durante a madrugada eu nem corro atrás das informações. Trata-se de um fato banal para o jornal. Em Mogi, porém, esse homicídio poderia virar manchete.
Mas eu fiz toda essa introdução para contar uma história que aconteceu há pouco mais de um ano. Naquela época, o prefeito de Salesópolis, uma cidadezinha de 11 mil habitantes que fica do lado de Mogi e conhecida por abrigar a nascente do Tietê, tava sendo acusado de levar para o seu gabinete um notebook que deveria estar em uma escola e usá-lo para acessar sites pornográficos. A polícia da cidade tinha aberto um inquérito para investigar o caso e, certo dia, tive que ligar para o delegado porque estava fazendo uma matéria sobre o assunto.
O celular do delegado tocou umas três vezes, até que ele atendeu. Ao fundo, podia ouvir o ronco do motor e o barulho da sirene da viatura.
- Alô!!!
- Doutor, queria falar com o senhor sobre o inquérito....
- Agora não dá!!!!.....Acabaram de roubar uma bicicleta......estamos em perseguição!!!!!!!

Juro que é verdade.

15.3.04

É por isso que eu bebo... 

Um senhor de mais ou menos 50 anos trabalha como auxiliar de limpeza em algum lugar do Rio de Janeiro, ganha menos de dois salários mínimos por mês e está prestes a ter o fornecimento de luz na sua casa cortado porque não tem R$ 35,00 para pagar a conta já atrasada. Um certo dia, está ele realizando seu serviço, semi-escravizado e lavando as latrinas do banheiro masculino, quando sob um daqueles compartimentos onde se coloca o papel higiênico encontra uma carteira com US$ 10 mil. O coitado, mesmo passando por dificuldades, não pensa duas vezes, procura pelo dono da carteira, o encontra e devolve todo o dinheiro. Repetindo: todo o dinheiro. O gringo, nem precisaria dizer, não deu nada pro cara. Só um aperto de mão e, talvez, um “muchas gracias” (sim, porque a maioria dos gringos tem certeza que o idioma oficial do Brasil é o espanhol). E eu acredito que aquele senhor, tão humilde, não esperava mais que isso mesmo...
Quando vi essa matéria na tv, me lembrei de uma vez que eu e uns amigos encontramos uma carteira em uma praça de Mogi. Só que a situação foi um pouco diferente que a relatada acima. Acho que era 1994, eu devia ter uns 14 ou 15 anos, e estávamos andando de patins nessa tal praça. Um dos meus amigos viu que um tiozinho estava sentado em um dos bancos com a carteira sobre o assento, ao lado dele. Continuamos com as nossas brincadeira, de olho no cara e esperando o que iria acontecer. Alguns minutos depois, aquele homem bem vestido se levantou e deixou pra trás a bendita. Aguardamos que ele se afastasse o suficiente, pegamos a carteira do banco e...saímos correndo com ela. Depois de alguns quarteirões, abrimos a carteira. Dentro encontramos documentos, talões de cheque, cartões de crédito e os R$ 700,00 que ficaram com a gente. Aquele bando de moleques ficou tão deslumbrado com o que viu que nem deu importância pra algumas outras notas de moeda estrangeira, jogadas em um terreno baldio junto com a própria carteira e todos aqueles outros achados.
Uma semana depois, fomos até um Shopping de São Paulo e compramos patins importados novos para todo mundo (éramos em cinco, acho). Eu disse que as histórias eram um pouco diferentes...

Voltando ao caso do tiozinho do Rio de Janeiro, depois de ver a matéria eu fiquei pensando o que faria se encontrasse essa carteira do gringo. Pela lei, eu sou obrigado a entregar o que encontro a um delegado no prazo de 15 dias. Acho que eu ia esperar esse tempo pra ver se o cara reclamava, se era grana pra alguma cirurgia ou coisa do tipo. Se ficasse sabendo que era apenas troco do cara pra gastar durante a viagem de férias (como parece que era), acho que não devolveria nem fodendo.
Pensei muito também na atitude desse auxiliar de limpeza, fodido como a maioria dos brasileiros, que abriu mão de uma grana que ele vai precisaria de uns 12 anos de trabalho pra conseguir juntar (isso se durante esse tempo não gastasse um centavo sequer do seu salário). Acho que o coitado não tinha idéia do que estava em suas mãos. Mas também acredito que, se tivesse, não iria saber o que fazer com todo aquele dinheiro

1.3.04

É por isso que eu bebo... 

Sábado, 28 de fevereiro, 7 horas. Toca o despertador ao lado da minha cama. Extremamente sonolento e praticamente sem voz, levanto, me troco, tomo café e sigo para o trem em direção a mais um plantão em São Paulo. As dores nas costas provocadas pelo banco da tétrica composição da CPTM me levam a tentar resistir ao sono. Procuro ler alguma coisa, observar a bucólica paisagem do Alto Tietê à margem da linha férrea, mas sou vencido pelo cansaço. Depois de uma sofrida baldeação em Guaianases e com as costas travadas devido ao cochilo pouco anatômico, embarco em novo trem – dessa vez o espanhol, mais sofisticado e confortável – para mais 40 minutos de viagem até a estação Luz.
Desperto do segundo cochilo na Luz, um pouco menos dolorido e sigo em caminhada até o prédio do jornal. Vinte minutos depois, pego o elevador, desço no 2º andar, abro a porta da redação e vejo sentada em uma das mesas uma colega que não é do meu plantão. Acho que fiquei uns cinco minutos parado na porta, pensando, até que o silêncio e rompido: “Ué, o que cê tá fazendo aqui hoje?”, me pergunta ela. Só então eu me dei conta de que não estava de plantão naquele dia....

E depois...

Liberto da minha momentânea paralisia cerebral, voltei para a estação Luz. Queria pegar o trem e voltar para Mogi o mais rápido possível e aproveitar a folga que eu não tinha há três semanas. Cheguei no final da manhã, a tempo de seguir para o litoral com uns amigos que todos os sábados surfam nas ondas de Bertioga ou São Sebastião. O tempo estava aberto e o dia perfeito. Seguimos para uma praia da segunda cidade. Não me lembro o nome agora. Na areia, pouca gente desfrutava daquele sol. Decidi acompanhá-los no surf. Principiante no negócio, saí da água pouco depois com o corpo todo dolorido. A praia não era muito extensa. Devia ter uns 800 metros de uma ponta à outra. Do lado direito, uma pedreira gigantesca. Resolvi caminhar por lá. Desde pequeno, uma das coisas que mais gosto de fazer quando vou à praia (depois de ficar olhando a mulherada desfilar) é caminhar por pedreiras e encostas. Essa foi uma das mais legais que já visitei. Fui sozinho e, num ponto onde a única coisa na minha frente era a imensidão do mar, sentei e comecei a pensar na turbulência que está a minha vida ultimamente. Dois empregos que exigem muito e pagam pouquíssimo, meu filho que está chegando, o repentino distanciamento dos amigos, o casamento....Nunca estive tão confuso. Achei que ali eu talvez pudesse conseguir comigo mesmo as respostas. Saí de lá com as mesmas dúvidas. Mas acho que cheguei a uma conclusão: a gente complica demais a vida.


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