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7.6.05

Sexta-feira, 24 de junho, segundo dia do feriado de Corpus Christi. É outono, a temperatura está baixa. Campos do Jordão - um lixo de cidade no meio da Serra da Mantiqueira que, não sei porque, a elite de São Paulo decidiu invadir todos os anos nessa época - está lotada. Mais complicado do que compreender esse fascínio dos ricaços paulistanos por aquela merda de cidade, porém, é entender os motivos que levam um dos maiores jornais de um país como o Brasil a enviar um repórter seu para Campos do Jordão a fim de "cobrir" diversão da aristocracia.
Ainda bem que pobre não tem dinheiro - ou não tem interesse - para comprar jornal. Se o fizesse, ao ler reportagens como a que relatou mais um dia de festa dos ricaços em Campos - que ocupou 1/4 de página (contando a foto) e incluiu testemunhos do tipo "a cidade está muito lotada, cheia de gente bonita. Estou curtindo muito o passeio" - poderia ficar puto da vida e, quem sabe, até provocar uma revolta. Me refiro a gente que, às bordas do desespero, liga ou procura o jornal em busca de ajuda para denunciar problemas como filas no INSS, extorsão de bancos, falta de médico em hospitais públicos, e todas essas pequenezas da casta inferior que, de tão antigas, persistentes e arraigadas, já soam chatas, desconfortáveis aos olhos daqueles que o jornal considera seus verdadeiros leitores.
Campos do Jordão um dia foi apelidada de "Suíça brasileira". A alcunha faz referência ao clima frio da cidade, que fica a 1.800 metros de altitude. A baixa temperatura, aliás, é a única coisa em comum entre um dos países mais desenvolvidos do mundo e o município valeparaibano. Nos demais aspectos, Campos do Jordão caminha ao lado das mais pobres e desamparadas cidades do Estado e do País.
Realidade transfigurada durante os dois ou três meses de duração da alta temporada de inverno. Nessa época, Campos do Jordão se transforma no luxo do lixo. Vide os congestionamentos que atingem as minguadas avenidas da pequena cidade. Não são simples congestionamentos, são congestionamentos de Mercedez, Cherokees, BMWs, Porches e, não raro, até Ferraris. Audi A3 é, como se diz, carne de vaca. Pilotados por gente disposta a ficar mais de uma hora dentro do carro para percorrer uma distância de 5 km ao longo dos pontos mais movimentados de Campos. Ah...a soberba...
Quem vence o primeiro desafio para a conquista do cume dessa verdadeira Disneylandia, chega ao bairro do Capivari. Nos arredores da praça batizada com o mesmo nome do bairro, fervilha "gente bonita". "Como é que ainda dizem que existe crise nesse país? Olha só pra cidade, está lotada", conclui, se dirigindo ao repórter, uma senhora de meia idade que, no coloquial, seria descrita como madame ou perua.
Não dá pra tirar a razão da entrevistada. Afinal, quem está acostumado a viver nos luxuosos prédios dos Jardins, na Capital, e a passar férias nas paradisíacas praias da costa sul de São Sebastião ou Ilhabela, durante o verão, e no Capivari de Campos, no inverno, realmente pode concluir que o país está uma maravilha. Aliás, qualquer pessoa naquele momento ali na praça teria a mesma impressão. O repórter gira 360 graus e a única coisa que vê é "gente bonita". Mulheres estonteantes, em um desfile libidinoso que não tem fim. A concupiscência poreja através da pele daquelas alvas ninfas cobertas por roupas cujo preço ultrapassa de longe o salário do observador. Não há um negro sequer ao redor.
Em meio a toda essa atmosfera, alguém pode questionar sobre a diversão. Nesse ponto, nossa elite é bastante excêntrica. E o repórter ainda não tinha plena consciência disso até aquela tarde, quando, de repente, se viu no centro das atenções de centenas daquelas belas pessoas que lotavam a praça do Capivari, gargalhando e apontando em sua direção. Olhou para baixo e percebeu que havia pisado em um monte de estrume de um dos cavalos da Polícia Militar de São Paulo que trabalhavam na segurança de nossa preciosa elite. Percebeu em seguida que aquelas centenas de bonitas pessoas haviam conservado durante um bom tempo aquele monte de merda, aguardando ansiosos pelo momento em que zombariam do desavisado que acidentalmente pisasse ali.
Debaixo dos uivos e urros de satisfação da nossa elite, olhei ao redor em busca dos pirralhos responsáveis por aquela molecagem. Me surpreendi ao constatar que a autoria daquela traquinagem fora daquela gente elegante, de meia idade, sentada no famoso Baden Baden, bebendo uma caneca de cerveja a R$ 9,00 e degustando um saboroso fondue. Em seguida uma senhora, faxineira de um dos bares, se aproxima com um balde e uma vassoura para limpar o estrume do local. Pobre não pode ver rico se divertindo!! Nossa elite ficou revoltada com a petulância da faxineira. Ela foi retirada do local e o monte de merda permaneceu para o deleite da freguesia. Que gente insaciável...

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