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22.9.04

Encontros e desencontros 

Um amigo me contou uma história engraçada. Tudo começou num sábado à tarde, quando ele voltava pra casa depois de mais um plantão. Estava viajando em um dos vagões do metrô de São Paulo e lhe chamou a atenção um casal de namorados, ambos com vinte e poucos anos, que se beijava a alguns metros de distância dele. Segundo esse meu amigo, não era um beijo qualquer. Dava pra ver que os dois estavam apaixonados.
O relato do beijo do casal de namorados era apenas a introdução da história. Meu amigo estava visivelmente triste e abatido. Me disse que sentiu uma inveja constrangedora da reciprocidade de sentimento entre aqueles dois. Que está casado há pouco tempo, menos de um ano, e sentia muito por não viver com a mulher algo tão intenso e ao mesmo tempo simples, como demonstrava aquele beijo.
Ele me disse em seguida que conseguiu enxergar naquele gesto a diferença entre amor e paixão. Indignado, constatou que o mundo todo apregoa o necessidade de amor, mas esquece que sem a paixão este se acomoda, vira lugar comum e ganha outro nome: tédio.
Meu amigo contou que já foi apaixonado pela sua mulher. Recordou alguns dos vários bons momentos que passaram juntos nestes últimos anos. Olhando para o vazio e com um sorriso nos lábios, relatou que nos primeiros anos de namoro recusava convites dos amigos para noitadas regadas a drogas, bebidas e mulheres. Acostumou-se a ouvir desaforos desses mesmo amigos, inconformados com a fidelidade e lealdade devotas por ele à então namorada.
Hoje, continuou, a situação é bem diferente. Afirma que ama a esposa, mas que isso não o impede, nem ao menos o desmotiva, a ficar horas na internet procurando por casos esporádicos, romances efêmeros de motel. Acha que a paixão acabou. Olhando para o chão, diz que não se recorda da última vez que deu ou recebeu da esposa um beijo apaixonado. Como aquele do casal de namorados no metrô. O sexo, diz, ficou chato e burocrático.
Ele me pediu um conselho. Disse que não sabia como ajudá-lo, mas que devia esperar porque as coisas provavelmente vão melhorar. Que essa é só uma fase pela qual ele está passado. Mas eu acho que ele não acreditou...

10.9.04

Mococa 

Fazia uns oito meses que eu não ia até a minha cidade natal. Mococa, no interior de São Paulo, também conhecida como "Terra da Vaquinha". Quem com mais de 20 anos não se lembra da célebre canção: "A vaquinha Mococa está dizendo móóóóóó..."? Oito meses parece bastante tempo para alguém cuja família toda continua na cidade. Mas, eu confesso, já fiquei dois anos sem dar as caras por lá. E me arrependo muito...
Esta última visita foi diferente. Acho que nunca senti tanta vontade de voltar à minha cidade. Tudo começou há poucas semanas, quem diria, no Orkut. Achei uma comunidade sobre Mococa na famigerada página. Não consigo mais passar um dia sequer sem acessá-la. Reencontrei conhecidos e, nos tópicos de discussão, relembrei de alguns episódios que estavam em algum lugar bem escondido da minha memória, repletos de teias de aranha. No começo eu até cogitei que esse esquecimento poderia ser reflexo de todos esses anos sob o efeito da "erva mardita". Mas depois eu percebi que, desde que deixei a cidade, há quase 11 anos, não só as memórias mas todos os traços característicos de um mocoquense se esvaíram de mim, como se estivessem sido porejados, como se eu tivesse passado por uma "desintoxicação".
Mas como eu disse antes, essa última visita à cidade foi especial. Com um monte de lembranças ressuscitadas na cabeça, segui viagem disposto a reencontrar aquele garoto deixado pra trás, como se tivesse caído do caminhão de mudança.
No último dos três dias de visita, caminhei até uma rua onde eu costumava brincar, apenas um quarteirão acima da minha antiga casa, que ainda pertence aos meus pais. O sol inclemente e o calor sufocante me fizeram lembrar de Macondo. Subi toda a rua, um aclive, e sentei em frente à casa onde morava uma antiga namorada. Júlia. Foi nela que eu dei o primeiro beijo, aos sete anos de idade, vejam só! A janela da sala estava aberta e deu pra ver que a casa continua a mesma não só por fora. Logo depois de mudar de Mococa eu a reencontrei, durante uma visita à cidade. Os dois estavam bêbados e uns beijos rolaram. Ela estava mais linda do que nunca. Loira natural, uns peitinhos sensacionais. Depois daquela noite, nunca mais a vi.
Uma casa depois da dela o bairro terminava e começava uma área de pasto. Agora ali existe um condomínio em plena expansão (ao ritmo de uma cidade de 65 mil habitantes, claro). Quando ali ainda não haviam casas nem postes de iluminação, os casais costumavam seguir até aquelas ruas de carro para transar. Eu e mais um grupo de amigos seguíamos até lá para assistir às cenas de sexo ao vivo. Quando enchia o saco, a gente saía do meio do mato e começava a xingar os casais. O objetivo era fazer com que ligassem o carro e partissem pra cima da gente. Quase sempre a gente conseguia. Corríamos pelo asfalto até que o carro se aproximasse e, aí, a gente mergulhava novamente pra dentro do matagal.
Ali do lado também fica a escola onde eu estudei da pré-escola até a sétima série. EEPG Professor João Cid Godoy. A camiseta do uniforme era branca, com duas finas listras horizontais - uma azul outra vermelha - na altura do peito e um "G" do lado esquerdo. Me aproximei pela parte de trás e me assustei com o muro construído recentemente, cercando o antigo campo de futebol. Na minha época a escola era toda aberta. Tanto que na hora do recreio - eu estudava de manhã -, nos dias em que a merenda não atraía, seguia até minha casa a pé pra tomar café e depois voltava. Por uma fresta no portão pude ver que o prédio da escola continua o mesmo. Diziam que no passado a área foi um cemitério de escravos. Meu irmão mais velho sempre conta uma história de que passou sozinho pela escola num final de semana, quando ainda era criança, e viu o capeta. Mas eu acho que é mentira.
Passava das 14h desse último dia seis de setembro de 2004. O sol estava cada vez mais forte e resolvi terminar o passeio. Na volta, passei por um caminho de terra que dá acesso à antiga rua onde eu brincava. Tive a idéia de tirar os chinelos e andar descalço pelo chão duro de terra, sem camiseta e só de bermuda, como eu fazia quando criança. Pouco depois eu tive que botar os chinelos novamente. Estes anos todos usando tênis com amortecedores de alta tecnologia e ultraconfortáveis transformaram aquele cascão marrom e espesso das palmas dos pés do moleque em uma pele de camada fina, delicada e alva, incapaz de suportar o incômodo da temperatura e das pedras do caminho.
Cheguei em casa ainda um pouco confuso, resultado de tanta nostalgia ruminada. Só depois de alguns minutos eu consegui reassumir a aura de homem de 25 anos, casado, pai de um garoto lindo. Peguei a estrada de volta pra Mogi das Cruzes, onde hoje está a minha casa. Mas saí de Mococa aliviado por ter me reencontrado.

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